sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

presentes

depois de dois dias de descanso, cheios de comidas gostosas que me encheram a barriga e de encontros deliciosos que me preencheram a alma, entendo o que é um presente. é estar aqui e agora, precisamente, e perceber. também é uma lembrança, algo que escolho pensando na pessoa que vou presentear (no pacote vai uma parte de mim, que generosamente se entrega, a despeito do meu apego). esta é a melhor coisa que recebi neste natal: a descoberta de que, no fundo, o que faz o presente é a presença.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

quase

os sinais vêm aos poucos. primeiro, desencavei aquele bermudão velho e bem folgado, com bolsos grandes, cem por cento confortável, elegância zero. em seguida descobri que o melhor é calçar tênis mesmo - e, pra não ter que carregar peso extra na mochila, já vou de casa com eles. a propósito, a mochila já é parte do meu corpo. afinal, cabe tudo lá dentro, e o peso fica distribuído. o cabelo vive amarrado, senão atrapalha. mas não fico usando grampinhos fofos, porque não dá pra ser feliz com coisas cutucando o cocuruto, doze horas por dia. faço o possível com as unhas, mas tem dia que nem a escovinha limpa direito. paciência. não faz sentido gastar energia, nessa altura do campeonato, com uma unha meio sujinha. é tinta, não é nada nojento (mas isso só eu sei...). por falar em mãos, apareceram uns calos, vi essa semana. as roupas são todas velhinhas, pra bater mesmo. e lá pelas tantas me dou conta de que estou tão acostumada com esse visual que saio pra almoçar assim mesmo - de camiseta velha, bermudão largado, tênis gastos. um glamour só.
no restaurante a balança marca 555 gramas. e eu constato: virei peão.
*
no fim do dia, comento com meu chefe que o meu pratinho singelo do almoço pesava 555 gramas ("ai! virei peão!") e ele responde: "relaxa, isso aí não é nada. dá pra comer uns 750, fácil. e, além do mais, você nem saiu do restaurante palitando os dentes, saiu?"

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

as perguntas proibidas

tem perguntas que nunca se deve fazer para um homem. a menos, é claro, que a gente saiba exatamente onde quer chegar. mas, assim, à toa, jamais.
aos 7 anos de idade, a pergunta proibida era "posso jogar bola com vocês?" a resposta, invariavelmente, era não. e quando eu devolvia um "por que não?", vinha a resposta, arrasadora: "porque você é menina." quanto a isso, sorry, rapaziada, não havia nada que eu pudesse fazer. eu dava meia-volta e ia bater figurinha. ou andar no telhado. o trauma só foi resolvido aos vinte e poucos anos, na faculdade, quando descobri um treino de futebol feminino. então, dava meio-dia e era aquele bando de meninas pra jogar, e campo, bola, apito, tudo! tinha até treinador, cones e coletes coloridos - e nenhum menino pra vir dar canelada. praticamente um paraíso.
aos 15 anos, em plena adolescência, melhor não perguntar nada. hormônios confusos, a gente nunca sabia o que poderia acontecer.
aos 20, jamais se perguntava "faz uma massagem em mim?" ou a variante "posso fazer uma massagem em você?" - a não ser que se estivesse cheia de intenções com o moço. a tal massagem sempre acabava em sexo, mesmo que fosse uma inocentíssima manipulação do dedão do pé esquerdo, por causa daquela topada horrível que tinha rolado no futebol. aliás, o supracitado dedão geralmente era parte de um pé todo detonado, com a pele ressecada, a sola meio grossa e, eventualmente, um pouco de chulé (afinal, o pobre só andava de sapatilha chinesa e sandalinha de couro cru, quilômetros a fio). não importa: de alguma forma misteriosa esse pé infeliz se transfigurava em um pé incrivelmente sedutor e excitante, prelúdio de uma farra das boas. se a farra fosse realmente boa, que bom. o triste era quando a coisa acabava rolando toda errada, e depois um ficava olhando pro outro com aquela cara de nossa, como é que eu vim parar aqui?
depois dos 30... hmmm, depois dos 30 as perguntas proibidas já não são tão óbvias. perguntas inocentes podem ser letais, e perguntas aparentemente cabeludas às vezes acabam dando origem a papos ótimos. pensando bem, a vida é bem mais divertida depois dos 30.

sábado, 12 de dezembro de 2009

o amante cidão

sempre ouvi muita música. no rádio, na vitrola, ou ao vivo mesmo. lá em casa todo mundo é mais pra desafinado, mas adora cantar. e a gente mandava ver! como eu era a caçulinha, nem sempre dava conta de acompanhar o movimento dos maiores. na verdade, muitas vezes não entendia coisa nenhuma, mas ficava lá ouvindo e cantando do meu jeito. então, passei anos da minha infância achando que cajuína era composição da minha irmã, até que um dia descobri que é do caetano veloso, e cantando coisas que não faziam sentido, como dona chica ca dimiroussessê / duberrô, duberrô que o gato deu. miaaaauuuu! levou um tempo até eu descobrir que miau era o berro que o gato deu, e que fez a dona chica admirar-se. duberrô eu não fazia idéia do que fosse, nem dimiroussessê, mas, bom, todo mundo cantava assim e não era eu que ia contrariar. eu me satisfazia em entender que rolava um lance envolvendo a dona chica e um gato e que, apesar de tudo, o gato não morria no final.
mas a grande dúvida da minha infância, foi, sem dúvida, o significado de mantissidão. eu ouvia os seus botões, do roberto carlos, e cantava junto: nos lençóis macios / há mantissidão / travesseiros soltos / roupas pelo chão... mantissidão eu não sabia o que era, mas devia ser alguma coisa mansa e tranquila (mansidão eu já conhecia, era boa de vocabulário) e imaginava: lençóis limpinhos, floridos de azul claro, um ventinho entrando pela janela, tudo calmo e cheiroso... anos depois, em um ônibus entre recife e natal, enquanto uma amiga me surpreendia com seu vasto conhecimento da obra de roberto e erasmo, comentei: "sabe, levei anos pra entender que é amantes se dão." e contei pra ela a história dos lençóis limpinhos e tal. e ela: "isso não é nada. um amigo meu tinha certeza de que era amante cidão. estava tão convencido que o tal amante acabou virando uma entidade, entrou pro nosso inconsciente coletivo..." dito e feito. agora, quando vejo um cara assim bem macho, avançando seguro em meio à multidão, camisa aberta deixando ver o peito cabeludo e o correntão de ouro, já sei: lá vem o cidão.

mas

.........e além de tudo ele é mais novo que eu, um abismo, uma eternidade, logo agora que eu tô querendo uma relação estável, com um cara maduro, e ele tem nariz arrebitado, ai meu deus, qualquer um sabe que não dá pra confiar em um cara de nariz arrebitado, e ele é corintiano, puxa vida, são os que dão os piores foras, daquele tipo que some, sabe?, você ali, achando que tá tudo bem, e de repente o cara se manda sem nem dizer tchau, e ele é menor que eu, aí não dá, né?, eu querendo um cara forte, que me proteja, e arranjo um menor que eu, e ele não tem barriga da perna, quer dizer, tem, mas é fininha, sem forma, ai que tristeza, acho isso tão feio e.........
mas ele sabe o que quer.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

bê-a-bá

A me ensina que uma boa amizade não é questão de gênero. com B aprendo que andando a gente chega lá - e pode não ser um ponto fixo no universo, mas a gente tem que saber onde é. C me estimula a observar e escolher. D fala de leveza. E me lembra de que a vida é um privilégio. F me ensina que é importante domar a mim mesma. com G aprendo delicadeza - que é o oposto de fraqueza. H me ensinou bondade. I, perseverança. com J aprendo que cada um tem seu jeito. L me ensina a estar atenta, e a cultivar os amigos. com M aprendi o que é me apaixonar e que, depois de tudo, fica um gosto bom, de coisa vivida. P me lembra de confiar na intuição. R me ensina que honestidade pode ser uma pedra em cima da qual se constrói todo o resto. S me diz que a vida é perfeita, com tamanha convicção que não tenho como discordar: aprendo. T me ensina a viver com alegria. com V aprendi que trabalho é prazer. Z me ensina a experimentar, sempre. e eu vou aprendendo a amar.

sábado, 5 de dezembro de 2009

o homem, esse enigma

uma coisa que me intriga é a absurda memória que os homens têm para guardar certos tipos de informação.
tem cara que não sabe a tabuada do oito de cor, mas tem a tabela do campeonato brasileiro de todos os anos, desde 1978, na ponta da língua. sabe a escalação de todos os times, os técnicos, os placares. não duvido de que saiba também o nome do massagista. se bobear, ainda descreve lances ("lembra daquele gol que o time x fez no y, nas oitavas de final do campeonato carioca da segunda divisão, em 83? o fulano lançou o beltrano, que driblou o sicrano e encobriu o goleiro. uma pintura!"), como se declamasse poemas. como é que pode?
outros decoram diálogos inteiros de filmes. você tá lá na festa, não conhece ninguém muito bem mas veio um moço simpático puxar assunto e aí começa um papo sobre cinema. "assistiu x?", "vi sim, nossa, muito bom, né?", "é! adoro aquela parte que o fulano vira pro beltrano e diz blá blá blá e aí ele responde blá blá blá......" e eu, pobre desmemoriada que sou, fico pensando se, de fato, estamos falando do mesmo filme. porque, juro, não lembro absolutamente deste diálogo. pensando bem, lembro vagamente dos personagens que o rapaz cita, ali, com precisão. pode acontecer de eu lembrar de situações do filme, de cenas inteiras, possivelmente da música e do figurino. certamente das cores. mas dos diálogos? não, com certeza. e olha que sou uma aficcionada das palavras. o que fazer nessa hora? o moço interessante ali, e eu passando por doida, pois acabei de dizer que adorei o filme, e agora olho pra ele com cara de ué, do que você tá falando, cara? ai ai.
manifestei essa minha curiosidade para um amigo e ele respondeu que é só uma questão de interesse. será? eu me interesso por vários assuntos, mas não guardo um banco de dados enciclopédico nos meus neurônios sobre nenhum deles. sei o básico, aí junto com coisas que ouvi aqui e ali e consigo discorrer um pouco sobre o tema. e não conheço nenhuma mulher que fique citando diálogos inteiros de filmes ou saiba a tabela do campeonato de cor. isso sem falar no air guitar, aquela mania ridícula que alguns caras têm de ficar imitando guitarrista, como se estivessem no palco. ops. peraí, eu já fiz air guitar. no carro. é, o trânsito tava parado, começou a tocar summertime no rádio e eu não resisti, mandei ver. não contente em fazer air guitar, ainda dublei a janis joplin. e devo ter feito caretas. ai meu deus. será que o bonitinho do carro ao lado viu?

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

o futebol das terças-feiras

se não me falha a memória, foi freud que começou com essa história de que as mulheres têm inveja do pênis, mas eu não tenho não. acho que pênis é o tipo da coisa que ou você já nasce com ele acoplado, e vai aprendendo a manejar desde pequenininho, ou então é uma complicação sem fim. o que me mata de inveja é o futebol das terças-feiras - que pode ser, na verdade, qualquer atividade lúdico-social instituída, como fazer-um-som-com-os-amigos-às-segundas, ou o pôquer das quintas. os caras se organizam, dão um jeito na agenda, driblam chefes, domam namoradas, atravessam a cidade e chegam, impávidos, para encontrar os amigos e praticar seja lá o que for.
com mulher, isso nunca dá muito certo. difícil um futebol das terças feminino passar da primeira terça-feira. isso se não der wo. curto à beça ser mulher, adoro minhas amigas, mas é incrível como a gente larga facinho esse tipo de compromisso fortuito. meia hora antes do grande evento, começam os telefonemas: "não vai dar pra ir porque vou sair com o fred", "ixi, vou ter que terminar umas coisas aqui no escritório", "ai, menina, tô com uma megacólica" e por aí vai. e nem adianta tentar lembrar a amiga de que ontem mesmo ela estava jurando que não queria ver o fred - nunca mais, nem a pau - porque ele deu um chá de cadeira de duas horas nela. tinha ido jogar bola com os amigos.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

sotaque

dia desses eu estava no ônibus, empacada no trânsito da faria lima, bem ao lado de uma banca de jornais. da janelinha dava para ver bem os cartazes das revistas. o da playboy dominava, com a foto da moça da capa. eu estava muito mais interessada em escutar a conversa de dois rapazes que estavam sentados atrás de mim e comentavam vivamente os predicados da moça, quando um deles resumiu: gostosa!. só que tem um detalhe: o moço era carioca. esse gostosa saiu com um s com som de x, um o (o segundo) aberto e prolongado e riso na voz. ou seja, não deixou a menor dúvida: a mulher da capa da playboy, seja lá quem for, era muitíssimo gostosa!
desde esse dia passei a achar que gostosa é uma palavra que só deveria ser pronunciada por cariocas, e ponto final. com outros sotaques as coisas perdem o sabor.
por outro lado, ornar só orna mesmo se for falado aqui em são paulo. de preferência no interior, com os rr bem caprichados, cheios de voltinhas.
a urca é um caso à parte: toda vez que eu chego no rio e peço pro motorista do táxi: urca, por favor, me sinto a criatura mais paulistana do mundo. moóca, brás, bexiga, pari e belenzinho se unem na minha urca. mas, sendo eu paulistana da gema, como poderia dizer urrca, porr favorr? sem chance. então, assumo minha condição de turista. e, se bobear, emendo um meu, que calor, hein?! na sequência, só pra confirmar.
venha, minha linda é uma frase para ser dita ao pé do ouvido, com o moço fazendo cafuné no cangote. com sotaque pernambucano, evidente.
difícil vai ser conhecer um rapaz que more na urca, me chame com um venha, minha linda pernambucano, me elogie com um gostosa! carioca e, ainda por cima, orne comigo.